Nos primeiros meses de 2020, bruscamente caiu sobre nós, humanos, a pandemia do novo coronavírus, que provoca a doença COVID-19. De repente o céu ficou carregado de nuvens negras, e nós, humanos indefesos, velos ou novos, homens ou mulheres, tivemos de ficar isolados dentro das nossas casas para não infetarmos nem sermos infetados.
Durante esse tempo de reclusão não pudemos conviver com a nossa família, os nossos amigos, e tudo se tornou diferente: as ruas ficaram desertas e silenciosas. As lojas, os cafés, os restaurantes, os teatros e os cinemas foram encerrados.
Todas as creches, jardins de infância e escolas fecharam. As crianças, retidas nas suas casas, tiveram aulas pela televisão e redes sociais. Estavam ao lado dos seus familiares, muitos também a trabalhar em casa nos computadores ligados à internet. Todos juntos vinte e quatro horas por dia.
Os mais idosos, que viviam nos lares, deixaram de poder receber visitas. Encerrados nas suas casas, os avós não puderam beijar e abraçar os filhos e netos.
Médicos e enfermeiros trabalharam noite e dia para tentar salvar a vida das pessoas que foram infetadas pelo coronavírus. Muitas não conseguiram sobreviver.
A minha mulher e eu ficámos isolados em casa em Lisboa. Sem poder estar junto dos meus filhos, da minha 2ª mãe (Titi), dos meus irmãos e cunhados, e dos meus netos Afonso e Martim, comecei a deitar-me muito tarde, a dormir pouco e a ficar inquieto.
No dia 27 de março de 2020, uma sexta-feira, um dia especial por ser o aniversário do meu filho Miguel, porque o relógio e o calendário tinham deixado de ser úteis, reparei nas flores brancas, azuis ou encarnadas das várias espécies de árvores do meu bairro Telheiras e lembrei-me de que tinha prometido mostrar as árvores floridas ao meu neto Afonso, quase a festejar cinco anos de vida. Fiquei abalado. Peguei no telemóvel e comecei a escrever:
“Afonso, este ano não irás comigo ver as flores das árvores.“
Publiquei o texto no Facebook. No dia seguinte voltei a escrever. Só parei quarenta e um dias depois.
Na caminhada diária senti o carinho dos muitos leitores que estiveram ao meu lado e que me enviaram muitas palavras amáveis.
Foram dias intensos, inesquecíveis. Diferentes. Estranhos.
A minha Mensagem
Afonso e Martim,
Este ano não irão comigo ver as flores das árvores.
Eu queria que vissem e cheirassem estas flores que irão transformar-se em lindos frutos, que os pássaros tanto gostam de bicar mal nasce o dia.
Mas não pode ser, estão na vossa casa e eu, a avó e o tio Miguel na nossa.
Paciência, para o ano haverá mais flores nas cerejeiras, acácias e jacarandás do nosso bairro, que nós iremos admirar de mãos dadas.
Beijos, muitos, muitos, e um abracinho apertado do avô.
Fernando
– Adaptado de “Mensagens do Avô”, António Mota, ed. ASA