Não me esqueço, Pai!

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Pai, ofereço-te este poema no teu dia!
É um grão de areia comparado com a vida
que tu me ofereceste até hoje.
Cuidaste de mim, alimentaste-me, ensinaste-me,
levaste-me pela mão, carregaste-me às cavalitas,
andámos de baloiço e no escorrega do jardim.
Brincámos, lemos, pintámos, dançámos, corremos,
nadámos em muitas praias do mundo,
construímos tantos castelos na areia,
ensinaste-me a andar de bicicleta,
a subir às árvores de fruta.
Andámos de comboio, elétrico, barco e avião
em Moçambique, Angola, S. Tomé e Portugal.
Viajámos juntos à Áustria, Itália, França,
Suíça, Espanha, Andorra e fizemos
juntos ski, snowboard e surf.
Fomos juntos ao teatro, cinema, zoo e Eurodisney.
Muitas vezes com os(as) Avós. E muito, muito mais…
– O teu filho


Obrigado Pai, por, como num filme, me teres posto na vida do lado dos bons!

Quando sou «o miúdo», o teu miúdo, fico de peito cheio, Pai. Tomam conta de mim todas as memórias que, desde que me lembro, tenho de ti. E eu lembro-me de quase tudo, de me pegares ao colo, de me levantares no ar, de me fazeres cócegas, mas também de me ensinares a ler, de me contares histórias, de me levares a ver o mar, florestas, rios, de me teres ensinado a abrir o motor de um carro e a conduzi-lo, a mudar um pneu, a fazer a barba com a tua gillette, a fazer o nó de uma gravata e de, qual gravata, qual nada, me levares a ver a bola e beberes comigo umas imperiais como se fossemos os melhores amigos.

A Mãe não queria e foste tu que tiraste as rodinhas de apoio à bicicleta: «Ele consegue!» Imagino que estarias aflitinho, com medo de que eu caísse da bicicleta abaixo, tanto corrias ao meu lado. «Ele consegue, vês como ele consegue.» Consegui e não me esqueço, Pai.

Como é que um rapaz fala a uma rapariga? Rias-te e dizias-me frases que metiam a palavra sol, a palavra lua, frases com ouro e prata e, no fim, a elegante palavra beijo. Vês como me lembro, Pai?

Sem ti, Pai, nunca teria sabido que é preciso ser-se grande para pedir desculpa.

«Só aprendes se fizeres e aprendes mais se, ao fazeres, te enganares.» Às vezes, até de lágrimas nos olhos tentei, mas foi contigo que aprendi a ser uma pessoa que faz. Se eu fizer pelo menos metade do que tu fizeste, essa será a prova de que não me esqueço, Pai.

Não me esqueço, Pai: as coisas difíceis são para ser ditas cara a cara.

«Diz “bom dia”», ensinavas-me. «Diz “obrigado”.» Ensinaste-me a cortesia e a gentileza e não quero nunca esquecer-me do teu lema: «A má criação é a arma dos fracos.»

Sabias rir-te. E foi por saberes rir-te tão bem, e com franqueza, que me ensinaste — não me esqueço! — que a vida não se pode levar sem alegria, sem uma boa gargalhada.

Não precisavas, mas lembro-me de quando me pediste ajuda para mudar um pneu. «Segura na chave de parafusos. Força agora, empurra o pneu.» Querias ensinar-me que temos sempre de ajudar, por pequenina que seja a ajuda. Não me esqueço, Pai, do orgulho desse dia: eu tinha-te ajudado.

Não me esqueço, Pai, de que me ensinaste, em casa, com a Mãe, que o amor não é dar-se do que se tem. Amar é darmo-nos a nós mesmos, dar o mais íntimo de nós: a mais gloriosa vitória sobre o egoísmo é provarmos a quem amamos que a nossa vida nada é sem esse amor.

Foste o meu melhor Amigo! Levou-te muito cedo um AVC fatal na ‘revolução popular’ de 1975 em Moçambique — onde perdemos todos os nossos poucos bens construídos durante uma vida inteira pelo teu único ordenado de Ferroviário. Ensinaste-me o caminho da razão, da sensatez, ensinaste-me a ter orgulho em fazer o bem. Obrigado Pai, por, como num filme, me teres posto na vida do lado dos bons.

Prometo-te que nunca me hei-de esquecer, Pai: imaginar-te agora a passeares com a Mãe, sempre a procurarem silêncio e árvores, como se os dois juntos, de mão dada, tivessem toda a sabedoria, todas as alegrias e sonhos do mundo, já realizada em vós!

“Não me esqueço, Pai”, ed. Guerra & Paz

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